14.2.06

nós irmãos

Porque crescemos sem pai na cabeça dele, irmão mais velho, formou-se este sentido de responsabilidade que o impedia de me ver apenas como a irmã mais nova, uma fedelha chata que andava atrás dele por todo o lado. Eu era aquela por quem ele tinha de zelar e a quem ele tinha de atender. Por isso para ele eu fui de certa forma uma “pedra no sapato”. Nas brincadeiras de rua eu era a que o atrasava e por isso preferia ir para casa comigo por entender não poder correr livremente com os amigos. A mesma razão o levou a implorar à minha mãe que não me levasse para a mesma escola que ele, mas não teve essa sorte. São apenas dois episódios que mostram o seu sentido protector (um pouco exagerada para a idade) e que foi em parte incentivado pela minha mãe - também ela um pouco perdida na forma de educar dois filhos assim sózinha.

Nas mãos dele havia sempre marcas da minhas unhas e os meus braços andavam muitas vezes doridos dos murros dele, aquele assim dados com o dedo do meio mais saido. Ele fazia-me berrar e eu irritava-o profundamente. Foi ele quem me ensinou a andar de bicicleta. Era uma daquelas velhas pasteleiras vermelha com um assento comprido. Ele andou rua abaixo rua acima a empurrar e a incentivar-me. Foi com ele que aprendi a distinguir a mão esquerda da direita, “lembra-te é sempre a mão com que escreves”. Eu tenho ainda hoje um certo remorso da minha maldade perante as suas sucessivas notas negativas na escola. Acabei por beber do meu veneno e ele ficou vingado. Com ele fui pela primeira vez a discoteca. Dele ouvi alguns responsos por causa dos rapaz e dos comportamentos a ter ou não. Foi no carro dele que dei as minhas primeiras voltas à praceta e já com carta era no carro dele que levava as amigas a passear.

Mesmo com tudo isto não tivemos uma relação de amizade profunda ou mesmo intima. Eu nunca lhe contei os meus segredos e nunca fui sua confidente. Ainda assim sabiamos sempre da vida um do outro e juntos passámos momentos familiares complicados. Mesmo quando nem sequer os mencionámos. Lá por casa apesar de sermos todos muito “à flor da pele” nunca soubemos bem verbalizar as nossas emoções.

Hoje a nossa relação é completamente diferente. Ele, sempre o protector e eu a mais estouvada. Ligou-me pouco depois de ter casado, queria saber se ele, o marido, me tratava bem e se me ajudava em casa. Quando fiquei grávida ligava-me para saber se eu me estava a alimentar bem. Eu telefono-lhe menos vezes mas vemo-nos todas as semanas principalmente agora que os dois temos filhos. Ele chorou quando o B. nasceu. Eu não dormi toda a noite à espera que ela nascesse.

Os dois telefonamos todos os dias para a minha mãe e passamos por casa dela regularmente. Continuamos a combinar que presente lhe vamos dar no aniversário, no Natal ou até mesmo no Dia da Mãe. Ele é sempre mais prático nas escolhas e eu mais fútil.
Somos diferentes em muita coisa e isso é bom. Somos diferentes na forma de ser, pensar, viver. O que é bom para um nem sempre o é para o outro. Não fazemos as mesmas opções e, por isso, nem sempre estamos de acordo com as opções e opiniões do outro. Uma coisa é certa um de nós vai sempre estar lá para o outro.

1 comentário:

Carla Dantas disse...

É por isso que muitas vezes tenho pena de nunca ter tido irmãos.

Para o bom e para o mau, eles estão lá.

Blog Archive